Brasil pode ter 2021 pior que 2020 mesmo com vacina, diz ex-presidente da Anvisa

Primeiro presidente da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), o médico sanitarista Gonzalo Vecina Neto não se dá por aliviado com o início do processo de vacinação, ocorrido no começo desta semana, após o aval do órgão regulador às vacinas produzidas pelo Instituto Butantan  e pela Fiocruz. Para Gonzalo, o Brasil corre o risco de ter um 2021 ainda pior que 2020, quando mais de 200 mil brasileiros perderam a vida para a Covid-19, se não restringir o funcionamento das suas atividades e não levar adiante uma campanha publicitária eficaz para imunizar a população.

Em entrevista ao Congresso em Foco, o professor da Universidade de São Paulo (USP) defende que o país adote lockdown, permitindo o funcionamento apenas de serviços essenciais, reforce a vigilância sobre medidas sanitárias, como distanciamento social e uso de máscaras, e invista pesadamente na conscientização das pessoas sobre a necessidade, a segurança e a eficácia das vacinas. Segundo ele, os efeitos da vacinação só serão percebidos quando o país imunizar cerca de 160 milhões de pessoas, alcançando a chamada imunização de rebanho ou coletiva. Até lá, ressalta o médico, ninguém pode baixar a guarda. 

“Relaxou, vai ter aumento de casos. O aumento de casos de covid é diretamente ligado ao relaxamento social. Não tem mágica. Se governadores e prefeitos não fecharem mais as atividades que não sejam essenciais, vamos ter desastre sanitário de novo. Em Manaus, o governador disse que ia fechar isso e aquilo. Os comerciantes foram para a rua e fizeram movimento social. O que o governador incompetente e genocida do Amazonas fez? Liberou. Qual o resultado da liberação? Em Manaus não se fala em hospital de campanha. Fala-se de necrotério de campanha, por não ter onde botar defunto”, afirmou.

Gonzalo Vecina também atribui parte das mais de 211 mil mortes por covid-19 registradas no Brasil até agora à insistência do governo com o discurso negacionista e à tentativa do governo de “sabotar” a vacina. Ele também condena a estratégia do presidente Jair Bolsonaro de recomendar à população o uso de medicamentos que não têm qualquer eficácia contra a covid-19, como a cloroquina e a hodroxicloroquina, e o “silêncio vergonhoso” de entidades médicas em relação ao assunto. 

“O Estado está sendo o grande sabotador da vacina. Quando o presidente fala as bobagens que fala, quando o ministro fala a favor de drogas não eficazes, quando ele negou inicialmente a Coronavac e depois voltou atrás porque não tinha alternativa, isso é desastroso. Quando um sujeito que é especialista em logística não consegue fazer um avião levantar na hora para levar uma vacina de São Paulo para o Rio de Janeiro… A vacina chegou com seis horas de atraso! Acho que acabou. Precisamos tomar posição frente ao governo que tem patrocinado o que historicamente só tem um nome: genocídio. É algo que temos de descobrir quem, por que e punir. Está na hora de fazer isso”, condena o médico. 

Na avaliação de Gonzalo, Bolsonaro age como um “anti-líder” ao se posicionar contra a vacinação e precisa ser confrontado, em campanha de conscientização, por especialistas com credibilidade no assunto. “O exemplo de líder para um liderado é o exemplo mais importante. Nosso líder se chama Bolsonaro. Esse líder está dizendo para você que não tomará vacina. Numa campanha de vacinação, os Dráuzios Varelas anularão os Bolsonaros”, defende, em alusão ao seu colega médico.

Para o sanitarista, o país precisa se preparar para enfrentar a nova versão do vírus disseminada em Manaus. Ele considera pequenas as chances de o restante do Brasil sofrer com a falta de oxigênio, a exemplo do que tem ocorrido no Amazonas, mas alerta para a sobrecarga de leitos hospitalares. “Se não tomarmos providência do ponto de vista de tentar manter nível de controle de governabilidade dessa crise, não tenho dúvida de que teremos um problema grave pior ainda do que tivemos até agora.” 

Além de primeiro presidente da Anvisa, Gonzalo foi secretário nacional de Vigilância Sanitária do Ministério da Saúde, no governo Fernando Henrique Cardoso, e secretário municipal da Saúde em São Paulo, na gestão de Marta Suplicy. Professor da Faculdade de São Pública da USP, também foi superintendente do Hospital Sírio Libanês em São Paulo.

Veja a íntegra da entrevista de Gonzalo Vecina Neto aqui.

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