Passada a marca das 20 mil mortes e dos 300 mil casos confirmados, a perspectiva é de que o Brasil atinja novo patamar nesta sexta. Com uma diferença de 7.467 contaminados em relação à Rússia, o país deve ultrapassar os europeus na lista dos mais atingidos pelo novo coronavírus e assumir o segundo lugar.
Ficará atrás apenas do Estados Unidos, com 1.573.742 notificações. A curva em ascensão lança uma grande preocupação para o futuro. Os pesquisadores que se debruçam a fazer previsões são categóricos ao dizer que ainda não vislumbram sinais de queda no horizonte.
“Há muita incerteza do ponto de vista das previsões. No entanto, todos os modelos com os quais a gente vêm trabalhando apontam que, de uma forma geral, ainda temos um período de atividade da Covid-19 significativo. Ou seja, não se espera que essa atividade decaia nas próximas semanas”, projeta Fernando Bozza, chefe do Laboratório de Medicina Intensiva do Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas, da Fiocruz, e coordenador de pesquisa do Instituto D’Or.
Bozza alerta para o fato de que, ao contrário da maioria dos países que ocupam o topo da lista dos mais afetados pela Covid-19, o Brasil passará por uma situação inédita: entrará no período de temperaturas mais baixas com o vírus em alta performance. Na Europa e nos Estados Unidos, a pandemia teve início no fim do inverno.
“De uma forma geral, doenças respiratórias têm uma maior transmissão durante o inverno. A questão é que, no caso da Covid-19, a gente ainda não teve isso. Vai começar agora no hemisfério sul. Nenhum país passou por esse comportamento, de atravessar o período do inverno com a atividade da doença já em alta. Se a contaminação vai aumentar ou não, não há como afirmar. O hemisfério norte estava saindo do inverno e entrando no verão. Então, é mais um fator de incerteza, o que dificulta previsões confortáveis”, disse.
540 mil casos no fim de maio
De acordo com as projeções do grupo Covid-19 Analytics (formado por professores dos departamentos de Engenharia e Economia da PUC-Rio juntamente com o pesquisador Gabriel Vasconcelos, da Universidade da Califórnia), a velocidade de novos contaminados tende a ser maior nos próximas semanas. A estimativa é de que em 31 de maio, o Brasil chegue aos 540 mil casos. Três dias depois, já estaria nos 636 mil. O número efetivo da taxa de expansão, indicador de quantas pessoas cada infectado contamina, ajuda a entender esta previsão.
“Ele dá uma boa ideia do que esperar em 15, 20 dias. A política pública trabalha para que esse número seja menor do que 1. Enquanto for maior do que 1, o contágio vai aumentar. Estamos entre 2 e 2,2. Mas, se você pega os 20% de municípios com IDH mais alto, este número está mais baixo. É de 1,75, começando a apontar para baixo. Mas nos 20% com IDH mais baixo, estamos na casa dos 3,15”, explica Vasconcellos.
Este dado joga luz para os rumos da Covid-19 no Brasil. Se não é possível precisar quando a doença vai parar de crescer, sabe-se para onde ela está indo. O novo coronavírus caminha para as periferias e cidades do interior.
“As regiões Norte e Nordeste requerem muita atenção. Porque ainda estão com uma taxa de transmissão bastante elevada. No entanto, as periferias das grandes cidades e os municípios pequenos do Sudeste são um foco importante de preocupação. Até porque a gente tem menos informação em relação à testagem nesses lugares. É neles onde temos mais problemas de subnotificação de uma forma geral”, acrescenta Bozza.
Números podem ser maiores
As poucas testagens dão aos pesquisadores a certeza de que a realidade brasileira é ainda maior do que os 310.087 casos confirmados nesta quinta. Uma pesquisa financiada pelo Ministério da Saúde e coordenada pela Universidade Federal de Pelotas (Ufpel) tenta estimar o tamanho real do contágio. Os primeiros dados apontaram que em Manaus o número de pessoas que já tiveram contato com vírus é 20 vezes maior do que o oficial. Os resultados da pesquisa serão apresentados na próxima segunda.
“Tem que tomar muito cuidado em usar dados de contaminados. Porque as estatísticas são muito ruins. O número de casos é subestimado em quase todos os lugares. Depende das políticas de testagens. Então tem que considerar que o número de casos é subnotificado e que esta subnotificação varia de lugar para lugar”, comentou Pedro Hallal, reitor da Ufpel e coordenador do estudo nacional e de um realizado nos mesmos moldes apenas no Rio Grande do Sul.
“Aqui no Brasil nós temos o nosso estudo no Rio Grande do Sul, que estimou a subnotificação em 10 vezes. Se olhar um que foi feito no Espírito Santo, também deu 10 vezes. Quando a gente pega o de Manaus, a estimativa é de 20 vezes. Então não se trata de um fenômeno igual em tudo que é lugar. Depende da disponibilidade de testes”.