Especialistas em educação criticaram a decisão do Governo do RN de passar alunos de ano mesmo com reprovações em até 6 disciplinas. A Secretaria de Educação do RN (SEEC) alterou recentemente as diretrizes para o Regime de Aprovação em Progressão Parcial de estudantes da rede de ensino do Estado. A medida entrou em vigor na última quinta-feira (24), com a publicação de uma portaria no Diário Oficial (DOE) em substituição às regras anteriores (de 2019) que permitiam a progressão em casos de reprovação em duas matérias. Especialistas ouvidos pela TRIBUNA DO NORTE consideram que medida infla artificialmente os dados de aprovação.
Também houve alterações no Ensino Fundamental (do 6º ao 9º ano). Na medida anterior, a progressão era permitida, do mesmo modo que no Ensino Médio, apenas se houvesse reprovação em duas disciplinas – agora, o aluno pode ser reprovado em até três matérias. Para a professora e doutora em Educação Vivianne Souza, a abordagem traz um problema estrutural comprometedor: o avanço de estudantes que não demonstram, por meio das avaliações promovidas institucionalmente, o domínio das competências exigidas em cada ano/serie em que estão matriculados.
“Avançar alunos que não demonstraram condições para as séries seguintes só representa para o órgão responsável dados quantitativos de aprovação, permanência estudantil e diminuição da evasão. Isso é interessante para quem deseja apresentar números positivos”, pontua a especialista. Gustavo Fernandes, mestre em Educação e especialista em Gestão Escolar avalia que existem benefícios na abordagem, mas as desvantagens, segundo ele, superam as vantagens.
“É muito difícil ver escolas bem estruturadas para a recuperação de aprendizagens”, avalia o professor. Segundo a portaria, a medida tem o objetivo de recuperar e recompor as aprendizagens dos estudantes. O texto cita que o aluno que avançar em Regime de Aprovação em Progressão Parcial realizará a dependência das matérias sob a responsabilidade do professor e da equipe pedagógica, os quais organizarão um plano de estudo contemplando, entre outros aspectos, os objetos de conhecimento, as competências e as habilidades significativas.
É nesse ponto onde Gustavo Fernandes vê gargalos, por conta da falta de estrutura das escolas. “Isso gera um risco de superficialidade para o aprendizado que é muito negativo”, fala. Ele avalia que a mudança é necessária em alguns contextos, mas a falta de planejamento pode representar um novo problema para o ensino. “O sucesso da progressão depende da capacidade da escola em oferecer suporte, mas o questionamento é: será que o governo planejou essa mudança? Além do que, considero esse número de reprovação em seis disciplinas muito elevado” analisa.
O especialista questiona também se o aluno terá condições de manter paralelamente “duas séries”, ao acumular conteúdos das disciplinas nas quais reprovou com as demandas do ano escolar em curso. Ele também aponta preocupações direcionadas à percepção dos estudantes, em razão da falta de comprometimento que a medida deve provocar. “O aluno pode deixar de querer se esforçar porque ele sabe que o processo de estudos vai ser facilitado de alguma forma”, diz.
Vivianne Souza avalia que o único viés da medida é “quantitativo” e tem como intuito combater as distorções idade-série. “O objetivo é combater os índices de evasão e os números que indicam repetência. Convém questionar: quem estará ganhando com essa progressão? Em que momento o aluno que apresentou dificuldades vai conseguir aprender? Certificar estudantes que não estão aprendendo seria um benefício para quem? O estado precisa buscar estratégias qualitativas para melhorar seus índices e prestar contas sociais”, avalia.
Em nota, a SEEC disse que a mudança “deve ser compreendida como uma medida pedagógica alinhada ao compromisso com o sucesso escolar, a equidade e a permanência dos estudantes na escola”. Ainda segundo a pasta, a portaria “amplia o tempo pedagógico para a recomposição das aprendizagens, reduz o impacto da reprovação integral — muitas vezes responsável pela evasão escolar — e reconhece que dificuldades pontuais não devem interromper a trajetória de quem deseja continuar estudando”.
A Secretaria afirmou que o “estudante em progressão parcial passa a ter acompanhamento de tutor, acesso a ambiente virtual de aprendizagem e um plano de estudos orientado pela equipe pedagógica da escola, com avaliações específicas para os componentes em dependência”. Segundo a portaria publicada, para passar de ano mesmo com as reprovações, o aluno deverá submeter-se às avaliações das disciplinas no ano letivo ou semestre subsequente à reprovação. Aquele que não concluir a progressão referente ao ano ou semestre letivo anterior ficará impedido de matricular-se no ano/série/semestre subsequente.
O texto também estabelece que “o estudante em Regime de Aprovação em Progressão Parcial ficará sujeito aos critérios expressos, sem a exigência mínima de setenta e cinco por cento (75%) de frequência às atividades referentes à dependência, porém condicionado ao cumprimento das atividades propostas no plano de trabalho apresentado pelo tutor responsável”.
TNOnline*