Por: Janduhi Medeiros
Quando eu era menino, no início dos anos setenta, a maior diversão da molecada da época eram as enchentes do Rio Seridó. A chegada das águas transformava a paisagem e renovava as esperanças e a água do lendário Poço, e nós, cheios de energia e destemor, corríamos para mergulhar nas águas revigoradas do Poço de Santana.
Havia a terrível lenda da serpente, um monstro invisível que povoava nosso imaginário infantil. Diziam que ela dormia nas profundezas do poço, à espreita dos incautos. Mas, movidos por uma coragem pueril – ou talvez pela simples teimosia da infância –, desafiávamos a fera em mergulhos sucessivos, explorando cada canto daquela imensidão líquida como se fôssemos conquistadores de um território encantado.
Depois de horas de aventuras e brincadeiras, o cansaço finalmente nos vencia, e então voltávamos para casa. O caminho era sempre o mesmo, quase um ritual sagrado: pegávamos a rua Santa Terezinha, que agora descobri chamar-se Visitador Fernando; depois, seguíamos pela rua do Sobrado, cujo nome oficial é Padre João Maria. Passávamos por baixo do imponente Arco do Triunfo, sentindo a história pairar sobre nossas cabeças, para então subir a avenida Seridó e, finalmente, dobrar à direita na rua Renato Dantas – onde ficava a casa dos meus pais, nosso porto seguro depois de tantas expedições aquáticas.
Agora você entende por que acompanhar a Troça da Serpente, na manhã do sábado de carnaval, é mais do que um simples passeio: é uma viagem nostálgica pelas calçadas da memória, um retorno às emoções de um tempo em que a vida parecia infinita e cheia de mistérios a serem desvendados.
Janduhi Medeiros