Por Rogério Tadeu Romano*
Observo o que disse o jornal O Globo, em editorial, no dia 26.5.25:
“O secretário de Estado dos Estados Unidos, Marco Rubio, afirmou que “há grande possibilidade” de aplicação de sanções contra o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes — há estudos para punir também outros ministros do Supremo. A iniciativa revela a incoerência flagrante da atual diplomacia americana.
Rubio deu a declaração em depoimento à Comissão de Relações Exteriores do Congresso, respondendo à pergunta de um deputado republicano sobre a posição da Casa Branca diante do que chamou de “perseguição política” no Brasil e da “prisão iminente” do ex-presidente Jair Bolsonaro. A justificativa para as sanções é a versão fantasiosa, disseminada entre os trumpistas, segundo a qual o Supremo brasileiro persegue e censura os bolsonaristas. Ora, não há perseguição política aqui. Bolsonaro e os demais denunciados por tentativa de golpe de Estado respondem a processo com todos os direitos constitucionais garantidos aos réus.
Cartões bloqueados e redes suspensas: É que diz a Lei Magnitsky, que Marco Rubio ameaça usar contra o ministro Alexandre de Moraes.
Trata-se de uma afronta a soberania do Brasil, desrespeitando o Poder Judiciário.
O ministro do Supremo Tribunal Federal, Alexandre de Moraes, não é o STF, que é uma instituição, está no máximo patamar do Poder Judiciário no Brasil. Quer dizer: o ministro Alexandre de Moraes presenta, como os demais ministros a Instituição STF. Quando ele fala, assim como os demais ministros, fala em nome da instituição.
Não cabe a nenhuma instituição estrangeira afrontar o Supremo Tribunal Federal, sob pena de confrontar, não só ao Judiciário, mas a soberania do país.
Segundo o portal PODER 360, “a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) saiu em defesa nesta 5ª feira (22.mai.2025) do ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Alexandre de Moraes depois que o governo do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump (Partido Republicano), disse estar analisando impor sanções ao magistrado por violação aos direitos humanos.”
“É absolutamente inaceitável que qualquer país estrangeiro pretenda submeter o Brasil a práticas de extraterritorialidade punitiva, afrontando nossa soberania e tentando nos reduzir à condição de nação subordinada. Todos os brasileiros devem se insurgir contra essa tentativa de impor ao país o status de uma república de segunda categoria. O Brasil é soberano, cuida de seus próprios assuntos e não admite interferências externas em sua jurisdição”, disse Marcus Vinícius Furtado Coêlho em um trecho do comunicado.
A jurisdição é um verdadeiro poder-dever.
Além disso, há de se afirmar que a Emenda Constituição n. 1 da Constituição americana, que trata dos limites da liberdade de expressão, somente se aplica naquele país. Mas, atente-se, como bem lembrou Rodrigo da Silva, em artigo para o Estadão, a decisão que pode punir o ministro Moraes, nos Estados Unidos, não tem relação com liberdade de expressão. Deve-se entender como medida de retaliação.
Em síntese como se lê da nota da OAB na matéria:
“A jurisdição é expressão da soberania, e somente o Estado brasileiro, por meio de seus próprios órgãos e segundo seu ordenamento jurídico, possui legitimidade para apurar e, se for o caso, responsabilizar seus agentes públicos”, continua a nota.
Há de defender a soberania do Brasil.
Para Miguel Reale, a soberania é “uma espécie de fenômeno genérico do poder. Uma forma histórica do poder que apresenta configurações especialíssimas que se não encontram senão em esboços nos corpos políticos antigos e medievos”.
Pinto Ferreira nos dá um conceito normativo ético-jurídico: é a capacidade de impor a vontade própria, em última instância, para a realização do direito justo.
Clóvis Beviláqua ensinou que por soberania nacional entendemos a autoridade superior, que sintetiza, politicamente, e segundo os preceitos de direito, a energia coativa do agregado nacional.
Destaca-se na doutrina a teoria da soberania nacional.
Essa tese ganhou corpo com as ideias político-filosóficas que fomentaram o liberalismo e inspiraram a Revolução francesa.
Pertence a teoria da soberania nacional à escola clássica francesa, da qual foi Rousseau o mais destacado expoente. Após isso tivemos somadas as ideias de Esmein, Hauriou, Paul Duez e outros.
Essa teoria é radicalmente nacionalista: a soberania é originária da nação, no sentido estrito de população nacional (ou povo nacional); não do povo em sentido amplo. Exercem os direitos de soberania apenas os nacionais ou nacionalizados, no gozo dos direitos de cidadania, na forma da lei.
A soberania, no conceito da Escola Clássica: é uma, indivisível, inalienável e imprescritível.
Una, porque não pode existir mais de uma autoridade soberana em um mesmo território. Se repartida, haveria mais de uma soberania, quando é inadmissível a coexistência de poderes iguais na mesma área de validez das normas jurídicas.
Indivisível é a soberania, segundo a mesma linha de raciocínio que justifica a unidade. O poder soberano delega atribuições, reparte competências, mas não divide a soberania. Nem mesmo a clássica divisão de poder envolvendo o Executivo, Legislativo e Judiciário importa na divisão de soberania.
Inalienável é a soberania por sua própria natureza.
Imprescritível é a soberania no sentido de que não pode sofrer limitação de tempo.
Na Alemanha e na Áustria surgiu uma teoria jurídica da soberania.
Para as escolas alemã e austríaca lideradas por Jellinek e Kensen sustenta-se a estatalidade integral do direito, sendo a soberania estritamente jurídica.
A soberania é um poder do direito e todo direito provém do Estado.
Mas o Estado não pode criar de forma arbitrária o direito; ele cria a lei, o direito específico, que é apenas uma categoria do direito em sentido amplo. Para Pontes de Miranda, o Estado é apenas um meio perfectível, não exclusivo, de revelação das normas jurídicas. A lei que dele emana há de corporificar o direito justo como condição de legitimidade. Sobretudo, o Estado não é um fim em si mesmo, mas um meio pelo qual o homem tende a realizar o seu fim próprio, o seu destino transcendental.
Hà uma teoria negativista formulada por Léon Duguit que via a soberania como uma ideia abstrata. Não existe concretamente. O que existiria era apenas uma crença de soberania.
A teoria realista ou institucionalista pode ser resumida por Machado Paupério, que em sua obra “O conceito polêmico de soberania”, concluía: “soberania não é propriamente um poder, mas sim, a qualidade desse poder; a qualidade de supremacia que, em determinada esfera, cabe a qualquer poder”.
Mas todas as teorias sobre a soberania voltam-se a uma meta: a onipotência do Estado.
Mas essa onipotência tem um limite: o plano internacional.
Ali a soberania é limitada pelos imperativos de coexistência de Estados soberanos, não podendo invadir a esfera de ação das outras soberanias.
Na lição de Baracho (Teoria geral da soberania. Revista Brasileira de Estudos Políticos, 63/64, 1987), o que se observa é que as entidades supranacionais detêm poderes diretos e coercitivos sobre os Estados-membros. Esses poderes são fixados pelos tratados que as instituem. Deve restar claro que “as comunidades não compõem uma federação, uma vez que os Estados-membros preservam a individualidade enquanto sujeitos do Direito das Gentes, exceto no que se refere às competências transferidas para as comunidades”.
Essas as lições a ter sob o tema que é essencial a teoria do Estado.
*É procurador da República com atuação no RN aposentado.