A Banco do Brasil assegurou a concessão de crédito a estados comandados por opositores políticos do presidente Jair Bolsonaro (PL).
Um deles, Alagoasrecorreu a STF (Supremo Tribunal Federal) para obter os recursos após o banco ter abandonado as negociações sem maiores justificativas.
O estado é governado por Renan Filho (MDB). Seu pai é o senador Renan Calheiros (MDB-AL)que foi relator da CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) responsável por apurar erros e questões do governo federal no Pandemia do covid-19.
O governador também disputa destaque político no estado com o atual presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), aliado do Palácio do Planalto.
“Não há dúvida de que há interferência política nas decisões de empréstimos aos estados brasileiros pelo governo Bolsonaro. Isso é uma pena, porque as instituições são usadas de forma não republicana”, disse Renan Filho. Folha.
A Bahia, governado por Rui Costa (PT), também enfrenta problemas na contratação de uma operação com o banco. Nos bastidores, há cobrança de “tratamento isonômico” entre os estados, mas o governo estadual, por meio da Secretaria da Fazenda, preferiu não se manifestar.
Procurado, o Banco do Brasil — sociedade de economia mista com ações em bolsa — negou interferência política na concessão de empréstimos e afirmou que segue “critérios técnicos”.
“Toda a contratação de operações para o setor público segue rigorosamente as exigências legais dos órgãos reguladores, a avaliação de crédito e os interesses empresariais do BB”, disse.
A Folha apurou, no entanto, que o vice-presidente de Governo do Banco do Brasil, Antônio Barreto, manifestou a inclinação da instituição em viabilizar operações para quem tem um “bom relacionamento” com o atual governo. O sinal foi dado em reunião com membros do Executivo no final de 2021.
Barreto, que assumiu o cargo em maio do ano passado, já atuou em cargos-chave na Esplanada dos Ministérios: foi secretário-executivo do Ministério da Cidadania e também atuou em áreas da Casa Civil no período em que essas pastas estiveram à frente por Onyx Lonrenzoni. .
Anteriormente, Barreto foi assessor de Gilberto Kassab, atual presidente do PSD, quando este foi ministro da Ciência e Tecnologia no governo Michel Temer (MDB).
A Folha questionou o executivo, por meio da assessoria do BB, mas não houve resposta sobre esses relatos.
Em 2021, o BB concedeu R$ 5,3 bilhões em créditos aos estados. Dois terços desse valor foram para governos aliados ou partidos que apoiam a atual administração federal.
Entre os partidos beneficiados estão o PP, que integra a base do governo, além de PSD, MDB e PSDB, que se declaram independentes, mas têm parlamentares que apoiam Bolsonaro nas votações parlamentares.
Algumas das siglas chegam a ter deputados que atuam como vice-líderes do governo na Câmara, como Joaquim Passarinho (PSD-PA) e Lúcio Mosquini (MDB-RO).
Até dezembro do ano passado, o MDB —que abriga o governador de Alagoas— também ocupava a liderança do governo no Senado, com Fernando Bezerra (PE).
As duas únicas operações que irrigaram os estados do PT beneficiaram o Ceará, por Camilo Santana, e o Piauí, por Wellington Dias. Os créditos totalizaram R$ 1,7 bilhão.
Segundo fontes do governo, embora os contratos tenham sido assinados, houve reclamações sobre o fato de o BB contemplar estados da oposição.
No caso do Ceará, quando o Tesouro Nacional estava prestes a firmar o contrato de garantia – pelo qual a União atua como fiadora em caso de inadimplência –, o órgão vinculado ao Ministério da Economia recebeu ligação de um representante do Banco.
O pedido, segundo um membro da equipe econômica, era que a agência aguardasse uma cerimônia para divulgar a operação. A medida foi interpretada como uma tentativa de garantir o empréstimo. Os técnicos ignoraram o pedido e prosseguiram com a operação.
Procurado, o BB negou ter feito tal intervenção e afirmou que qualquer solenidade ocorre apenas no momento da assinatura do contrato com a própria entidade beneficiada.
No caso do Piauí, a autorização do empréstimo desagradou Ciro Nogueira (PP-PI), adversário político de Dias no estado. A operação do Piauí foi assinada em 3 de agosto de 2021.
Segundo relatos obtidos pela reportagem, o então senador, que defendia o governo na CPI da Covid-19, reclamou de ver seu oponente contemplado, com a aprovação da União.
Ao mesmo tempo, foi indicado por Bolsonaro para chefiar a Casa Civil. A pasta não se manifestou até a publicação deste texto.
No dia seguinte, uma portaria do Ministério da Economia suspendeu as classificações das classificações de risco dos estados, para discutir sua metodologia em consulta pública. Na prática, a medida bloqueou a emissão da garantia, levando o Piauí a entrar com uma ação no STF. Uma liminar garantiu a conclusão da operação.
Você empréstimos concedidos por bancos públicos a estados e municípios devem respeitar os limites estipulados para essas operações no ano. Se a União for fiadora, há também custos máximos com juros e encargos.
Embora o Tesouro sinalize nos bastidores que cabe ao órgão apenas verificar se o Estado tem ou não condições financeiras para assumir um novo empréstimo, integrantes da equipe econômica relatam, sob condições de anonimato, que há pressão política .
Alagoas decidiu processar o BB por desistir do negócio após meses de negociações e a aprovação de uma lei, em julho de 2021, autorizando o crédito. O governo de Alagoas solicitou R$ 770 milhões para investimentos em infraestrutura.
O estado é classificado como B pelo Tesouro Nacional, o que o torna um bom pagador. A escala é de A a D, e apenas as notas A e B podem ser endossadas. Piauí e Ceará, por exemplo, também são nota B.
O secretário de Estado da Fazenda de Alagoas, George Santoro, disse ao Folha que as negociações com o BB já estavam em estágio avançado quando, em setembro, a instituição avisou que não daria continuidade.
“É algo que nunca havia acontecido nos meus 30 anos na área financeira. Um banco estatal não se interessou por uma operação que já havia oferecido, com garantia da União e com um estado que está com as contas em dia”, disse Santoro . Ele exige explicações técnicas para desistir.
A Bahia, por sua vez, solicitou um crédito de R$ 228 milhões para infraestrutura. O estado também tem nota B na classificação do Tesouro, mas até agora não foi atendida.
O Banco do Brasil disse que segue aspectos técnicos e destacou o relacionamento que mantém com os estados citados em outras operações de crédito ou processamento de folha de pagamento.
“Há uma proposta para um novo empréstimo [à Bahia]que está em análise, seguindo os mesmos critérios técnicos adotados pelo BB para os demais estados”, disse.
Nos bastidores, o banco vem alegando que o custo máximo estipulado pelo Tesouro nos empréstimos em que a União é avalista está abaixo do adequado. Como o Governo Federal garante o pagamento em caso de inadimplência, o risco é praticamente zero, e o Tesouro estabelece um teto de remuneração para os bancos.
Entre setembro e novembro, essa taxa ficou em 120,7% do CDI (Certificado de Depósito Interbancário, aplicação com rentabilidade próxima ao Selic) por um período de dez anos.
Nesse período, o BB recusou a operação com Alagoas, mas aceitou emprestar, com garantia do Governo Federal, R$ 300 milhões a Chapecó (SC) à taxa nominal de 114,5% do CDI.
Chapecó é governada por João Rodrigues (PSD), que é aliado de Bolsonaro. A cidade já foi palco de uma das motocicletas do presidente.