Por: Chico Alves, UOL – Para divulgar sua “Nota à Nação Brasileira”, na qual reage ao pedido de apreensão do celular do presidente Jair Bolsonaro, feito por Celso de Mello, decano do STF, o ministro do Gabinete de Segurança Institucional, Augusto Heleno, baseou-se em alguns princípios valiosos. A harmonia, a institucionalidade e a estabilidade dos poderes nacionais estariam em jogo com a decisão, disse no texto, em tom de ameaça.
As preocupações manifestadas na nota (que, segundo o ministro da Defesa, recebeu o apoio das Forças Armadas) têm mão única. Como no artigo do vice-presidente Hamilton Mourão, publicado há alguns dias, no texto de Heleno só os que estão fora do governo representam riscos institucionais.
Proponho ao ministro do GSI e aos generais que revejam o vídeo da reunião ministerial de 22 de abril e respondam a perguntas que relaciono a seguir, baseadas nos mesmos três princípios básicos da nota de Heleno:
– Não constitui ameaça à estabilidade nacional o anunciado plano do presidente da República de armar o povo para resistir a determinações legais (conforme decidiu o STF) de governadores e prefeitos?
– Faz parte do padrão de institucionalidade que desejam a manutenção por parte do presidente de um “sistema particular” de informações, formado por policiais que atuam de forma clandestina?
– Não consideram afronta à instituição máxima do Poder Judiciário que um ministro diga claramente em reunião do governo que quer ver na cadeia os ministros do Supremo Tribunal Federal, a quem chama de “vagabundos”? Isso colabora para a “harmonia entre os poderes” que a nota menciona?
– Também não enxergam qualquer instabilidade quando uma ministra propõe a seus pares a prisão de prefeitos e governadores que tentam combater a covid-19?
– É institucional a proposta anunciada pelo ministro do Meio Ambiente de encarar a maior pandemia da história como uma “oportunidade” para implantar dispositivos “infralegais” (ou seja, ilegais) contra as normas de conservação ambiental? Tudo isso para driblar o Poder Legislativo?
Essas questões tratam apenas de parte do problema. Nem se fala aqui da incrível omissão sobre a pandemia de coronavírus, do palavreado abjeto, do pouco apreço pelo patrimônio público (como a “porra” do Banco Brasil, de acordo com a classificação de Paulo Guedes) ou do visível constrangimento dos generais por participarem de um encontro tão vulgar.
Ao cobrar institucionalidade, estabilidade e harmonia para reagir a uma decisão do Judiciário prevista em lei, Heleno deveria fazer com que também o governo do qual participa se preocupasse em mantê-las.