Procuradora Especial da Mulher no Senado Federal, Zenaide Maia (PSD-RN) promoveu e lançou, nesta quarta-feira (27), novos volumes de livros oficiais contendo a biografia pessoal e política de todas as senadoras da História brasileira. Editadas e impressas pelo Senado por meio do Conselho Editorial presidido pelo senador Randolfe Rodrigues, as obras institucionais abordam a contribuição parlamentar de mulheres que assumiram mandatos no Senado de 1979 a 2024.
Para Zenaide, a jornada pessoal e política das mulheres senadoras é o retrato da luta pela presença da população feminina – que hoje é maioria do Brasil – nos cargos eletivos não só do Poder Legislativo, mas também do Poder Executivo nas esferas federal, estadual e municipal.
“A trajetória das senadoras da República não está em livro por acaso! Está registrada como documento público porque nós estamos, sim, fazendo história neste país. A menos de 100 anos não tínhamos nem o direito de votar. Cada nome contido neste livro importa, e muito!”, frisou a senadora.
Confira a nota da Procuradoria Especial da Mulher, comandada por Zenaide, publicada nas biografias:
A história das senadoras é parte de uma história mais ampla. Primeiro, por integrar a história do próprio Parlamento brasileiro, em conjunto com a história dos senadores. Muitos volumes seriam necessários para abarcar os dados biográficos da trajetória de todos os senadores e senadoras que tomaram assento no Parlamento brasileiro. Todavia, a história das senadoras, considerada isoladamente, é bem menos extensa, embora já necessite de três volumes para ser contada. Isso tem a ver com um segundo aspecto: a história das senadoras faz parte de uma outra narrativa, relativa à luta pela presença das mulheres nos cargos eletivos! – não só do Poder Legislativo, mas também do Poder Executivo.
A presença feminina no Parlamento, em qualquer nível – municipal, estadual ou federal – dependeu da conquista do direito ao voto, em 1932. Essa conquista aconteceu tardiamente, se comparada ao marco histórico da criação do Império ou da República — 110 anos após a Independência do Brasil (1822), 109 anos depois do início do funcionamento da Câmara dos Deputados (1823), 106 anos, do funcionamento do Senado (1826), e 43 anos depois da Proclamação da República (1989).
O histórico da presença feminina efetiva no Parlamento federal mostra também diferenças no que diz respeito a deputadas e senadoras. Já em 1933, Almerinda Gama e Carlota Pereira de Queiroz conseguiram se eleger para a Assembleia Constituinte. Já no caso das senadoras, demoraria 47 anos para a primeira senadora brasileira tomar posse no Congresso e Nacional. Evidentemente, a eleição para o Senado, majoritária e com menos vagas, tem diferenças para uma eleição proporcional.
Mais importante que isso, todavia, é considerar que, tanto para a Câmara quanto para o Senado, há diferenças entre o que se pode considerar como (1) uma presença feminina avulsa, excepcional e isolada e (2) uma presença feminina sistemática, comum e articulada de mulheres. Tanto para a Câmara dos Deputados quanto para o Senado, demorou a chegar o momento dessa presença mais coletiva.
Entre a eleição de 1934, na qual apenas Carlota Pereira de Queiroz se elegeu como deputada federal após a Constituinte, e a eleição de 1982, quando oito deputadas se elegeram, a presença feminina no Congresso Nacional oscilava entre uma ou duas deputadas federais. As deputadas eleitas durante todo este período foram Ivete Vargas (SP), que teve cinco mandatos consecutivos interrompidos pelo AI-5, Necy Novaes (BA), três mandatos, Lygia Lessa Bastos (RJ), dois mandatos, Júnia Marise (MG) e Cristina Tavares (PE).
Apesar da conquista do voto em 1932, por exemplo, nenhuma deputada federal foi eleita para a elaboração da Constituição de 1946. Vem ao caso lembrar que as Constituintes são momentos decisivos na elaboração do pacto político das sociedades, no marco da modernidade. A primeira Assembleia Constituinte (1823) não teve participação feminina; a segunda (1890) já ocorreu sob explícita pressão quanto ao direito feminino de votar; a terceira (1934) teve a participação de duas mulheres; a quarta, da redemocratização de 1946, não teve mulheres parlamentares; a quinta, elaboradora da Constituição de 1988, teve a participação de 26 deputadas (sem nenhuma senadora).
Até a realização das eleições de 1978, a trajetória parlamentar da mulher brasileira no Congresso Nacional se dava unicamente nos corredores da Câmara dos Deputados. Nas disputas eleitorais daquele ano, Eunice Michiles (AM), Maria Shirley (SC) e Dulce Braga (SP) foram eleitas suplentes, nas eleições diretas e indiretas criadas pelo chamado Pacote de Abril.
A condição de “suplente” não era definida pelo lugar na chapa do Senador vencedor. O sistema era bipartidário, havia só ARENA e MDB, mas os dois partidos podiam lançar várias legendas; a soma dos votos das legendas é que definia o partido vencedor e o respectivo candidato vencedor, mesmo que este tivesse tido menos votos que o da legenda perdedora. A votação individual obtida pelos integrantes do partido vencedor é que definia quem era designado como 1º ou 2º suplente.
O falecimento do parlamentar titular fez Eunice Michiles assumira titularidade do mandato e entrar para a história como a primeira senadora brasileira, em 1980, pelo Estado do Amazonas (AM). Laélia de Alcântara (AC) — desde 1974, suplente do Senador Adalberto Sena -, em circunstância análoga, assumiu o mandato entre abril e agosto de 1981 e tornou-se a primeira mulher negra a desempenhar a função de senadora. Provisoriamente, em função do adoecimento do primeiro suplente, Maria Shirley (SC) assumiu o mandato entre julho e agosto, e, em 1982, Dulce Braga (SP), também teve passagem pelo Senado.
Apesar da presença pioneira de Eunice Michiles desde 1979, nenhuma mulher se elegeu para o Senado nas eleições de 1986, as quais definiram a composição do Congresso Constituinte. Mesmo sem nenhuma senadora, o Congresso Constituinte foi um momento importante para se considerar em uma abordagem sobre a trajetória das senadoras, pois tem a ver como estabelecimento de uma dinâmica de trabalho e atuação coletiva que se provaria duradoura para o entendimento entre as parlamentares.
Como é sabido, na Constituição de 1987 houve um duplo movimento pelo qual as mulheres foram externa e internamente caracterizadas como um grupo parlamentar à parte. Externamente, de modo depreciativo, o grupo passou a ser referido como “Lobby do Batom”; e, internamente, começou a se definir e a atuar como uma “bancada feminina”, cuja lógica de atuação — no que respeitava à pauta feminina – se mostrou coesiva, para além das diferenças partidárias.
Esse ponto foi assinalado no mencionado livro A Mulher no Congresso Nacional (1989), de Fanny Tabak. De acordo com a autora, “as deputadas eleitas perceberam a importância da união suprapartidária como forma de garantir a aprovação de algumas de suas propostas e adotaram uma estratégia de conciliar posições, para que as divergências não impedissem uma ação conjunta”.
Essa lógica de ação coletiva assinala a mudança de qualidade que ocorre quando se passa de uma presença avulsa a uma presença sistemática. Para fazer uma ilustração, é como se fosse o momento em que um conjunto de grãos de areia isolados passa a ser visto como um montinho de areia, um coletivo.
A trajetória de presença feminina no Parlamento federal foi acelerada pelas próprias mulheres parlamentares a partir do momento em que, paralelamente à reivindicação de reformas políticas, criaram espaços de articulação próprios, como as Procuradorias da Mulher e as Liderança da Bancada, tanto na Câmara dos Deputados quanto no Senado Federal.
Com a criação da Procuradoria Especial da Mulher do Senado (ProMul), pela Resolução n. 9, de 31 de março de 2013, as senadoras começaram a ter um ponto de apoio para a atuação coletiva e no mesmo espírito suprapartidário de deixar as divergências de lado quando o tema fosse relativo a mulheres.
A ProMul firmou uma tradição de realização de reuniões para definir “projetos prioritários” que deveriam entrar em pauta. Oito anos depois, também num mês de março, que é o Mês das Mulheres, a resolução n. 5, de 11 de março de 2021, criou a Liderança da Bancada Feminina.
Tanto a Procuradoria quanto a liderança da Bancada Feminina são fruto da luta suprapartidária feminina por mais igualdade no Parlamento. Antes da criação da liderança da Bancada Feminina, as mulheres não tinham assento no Colégio de Líderes, enquanto bancada feminina — e, antes da criação da Procuradoria Especial da Mulher, não tinham espaço institucional de referência.
Uma forma de ver o impacto da criação da ProMul na articulação legislativa das parlamentares é pelo número de leis aprovadas e sancionadas. A comparação entre os dez anos anteriores à criação da ProMule os oito anos posteriores mostra que o número de leis criadas em torno da pauta das mulheres foi quase cinco vezes maior.
De 2003 a 2012, houve 13 leis sancionadas, entre elas a justamente célebre Lei Maria da Penha. Em 2013, ano da criação da ProMul, houve duas novas leis. Já de 2014 a maio de 2023 foram mais de 60 leis sancionadas, destinadas a reconhecer a participação feminina, com a inscrição de mulheres no Livro de Heróis e Heroínas da Pátria, a coibir as várias formas de violência contra as mulheres, a garantir seu acesso à saúde e a incentivar sua participação política – uma grande bandeira de luta das mulheres que tem a ver com a presença feminina no Parlamento.
Ao longo desse período, a presença feminina no Congresso experimentou um crescimento considerável – ainda aquém do desejável -, com atuação potencializada pelo fato de ser reconhecida como uma bancada suprapartidária. À época da elaboração da Constituição de 1988, as 26 deputadas que participaram da Assembleia Constituinte correspondiam a apenas 5% do total de deputados e não havia nenhuma senadora. Atualmente, tanto na Câmara quanto no Senado, as mulheres ocupam um patamar de 16% dos parlamentares.
O crescimento da participação feminina no Senado Federal está expresso, inclusive, nas sucessivas edições desta obra. Na primeira edição (2004), havia a trajetória de 28 senadoras; na segunda (2012), de 44 parlamentares; e nesta terceira (2023), já somamos 74 histórias múltiplas de mulheres que chegamos a esta Casa maior do Congresso Nacional.
A Constituição de 1988 estabelece, entre os quatro objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”. A sub-representação feminina no Parlamento certamente serve como um metro, um parâmetro, do quanto estamos distantes do ideal de uma democracia de fato representativa de todas as pessoas que são cidadãs de nosso Brasil. Mas a presença feminina insistente, resiliente e crescente também é uma medida exata e iniludível de que nós mulheres não abrimos mão deste ideal.