Por Eduardo Maretti, na Rede Brasil Atual –A privatização da Eletrobras, liberada pelo Tribunal de Contas da União (TCU) na quarta-feira (18), é abordada na mídia nacional de maneira superficial, como mera questão de mercado. Mesmo se a pauta é o preço final que será pago pelo consumidor após a desestatização, as reportagens televisivas comentam o tema de maneira envergonhada, jogando para o médio e longo prazo “possíveis” efeitos negativos no bolso dos brasileiros.
Mas, para Maurício Tolmasquim, secretário-executivo do Ministério de Minas e Energia entre 2003 e 2005, ex-presidente da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), é importante destacar dois pontos no processo. “Primeiro, que a privatização era desnecessária. Não era preciso privatizar para atrair investimentos. Segundo, o impacto será grande sobre o consumidor”, prevê.
Em 2012, várias hidrelétricas estavam com as concessões para vencer e o governo de Dilma Rousseff as renovou. Como as plantas operacionais já estavam amortizadas, a proposta do governo, aceita pela estatal, foi vender energia pelo preço de custo, mais uma taxa de lucro. “Agora, com a privatização, quem comprar (a empresa ou empresas do sistema Eletrobras) vai vender (a energia gerada) pelo valor de mercado”, explica Tolmasquim. Ele estima que no mercado o valor é cerca de três vezes o preço de custo, acrescidos da taxa de lucro, que é determinada pela própria empresa.
Além de acenar com o encarecimento da conta de luz dos brasileiros, a lei que permite a privatização da Eletrobras é um monumento à insensatez. Entre os chamados jabutis da legislação, fruto da atuação de lobbies poderosos, um deles obriga a inserção de 8 mil MW em termelétricas a gás no Sistema Interligado Nacional (SIN) entre os anos de 2026 e 2030.
No jargão político, jabuti define a inserção de norma alheia ao tema principal em um projeto de lei ou medida provisória enviada ao Legislativo pelo Executivo. O termo surgiu por analogia ao ditado popular “jabuti não sobe em árvore”, usado para expressar fatos que não acontecem de forma natural.
As termelétricas são um meio de produção de energia alternativo onde há escassez de outras fontes. O Brasil é um país rico em recursos hídricos, o que desaconselha tal exigência. Pior que isso, a maneira como a Eletrobras está sendo privatizada permite prever que as termelétricas a gás serão instaladas em regiões que não o produzem (Centro-oeste, Norte e norte de Minas), o que vai obrigar a construção de gasodutos caríssimos, estimados em R$ 100 bilhões de reais.
A operação dessas térmicas, explica Tolmasquim, estima-se que custem mais R$ 52 bilhões. Fora o custo de construir as próprias térmicas, mais R$ 18 bilhões. “Além disso, como essas usinas estão longe do grande mercado consumidor, teria que construir grandes linhas de transmissão. É um escândalo.”
Danos ao meio ambiente
Os problemas não param por aí. Em nota técnica sobre os impactos ambientais decorrentes da inserção de termelétricas a gás natural, o Instituto de Energia e Meio Ambiente (IEMA) esclarece que os problemas são preocupantes. “Além de representar custos adicionais em relação a outras opções energéticas menos custosas para o atendimento dos maiores centros de carga do país, o investimento em gasodutos está comprometido em uma fonte energética que tornará mais distante a necessária descarbonização da matriz elétrica brasileira. O mesmo pode se dizer das emissões diretas decorrentes da operação dessas usinas”, afirma a nota.
A proposta que virou lei, em decorrência da aprovação da Medida Provisória 1.031, privilegia um modelo poluente em detrimento de fontes renováveis, como eólica e solar. E é, portanto, “conflitante com o cenário global de transição energética e especialmente com o atual cenário de risco de racionamento”, aponta o Iema.
Os absurdos se sucedem. A previsão legal é que essas usinas vão operar em tempo integral. Mesmo quando houver muita água nos reservatórios ou muita energia eólica ou solar, elas têm que continuar a gerar a energia térmica, cara e poluente. Tudo para atender interesses econômicos nas regiões.