Apontada como referência por analistas e dirigentes que relutam em aceitar medidas de isolamento social mais duras para conter a progressão da pandemia da Covid-19, entre eles o presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, a Suécia é um dos poucos países em que cafés e restaurantes estão abertos, escolas para alunos abaixo de 16 anos funcionam e onde amigos e parentes ainda podem se reunir. Mas essa imagem de “normalidade controlada” frente ao novo coronavírus é algo que nem mesmo o governo quer levar adiante — pelo contrário.
— A vida não está correndo de maneira normal na Suécia — afirmou o primeiro-ministro, o social-democrata Stefan Löfven, em uma tensa entrevista coletiva nesta sexta-feira.
Diante dos jornalistas, o premier rejeitou a ideia de que seu governo esteja adotando uma visão “suave” para enfrentar a pandemia, uma acusação reforçada pelos números.
Desde o surgimento do primeiro caso, em março, a Suécia registrou 3.646 mortes e quase 30 mil infecções. Em números absolutos, o país de pouco mais de 10 milhões de habitantes está distante de nações mais populosas como a Espanha, a Itália ou o Reino Unido, mas se situa entre os que registram o maior número de mortes para cada milhão de habitantes: 346,55.
Quando comparado a seus vizinhos escandinavos que têm modelos semelhantes de desenvolvimento social e adotaram medidas mais estritas de isolamento, a diferença salta aos olhos: na Dinamarca, são 10 mil casos e 537 mortes. Na Finlândia, 6 mil casos e 293 mortes. Na Noruega, que já começa a retomar as atividades, 8 mil infecções e 232 mortes.
Estratégia polêmica
Ao contrário da maior parte dos países, a Suécia manteve abertos estabelecimentos comerciais, como academias, restaurantes, cafés e casas noturnas, ao mesmo tempo em que recomenda ações individuais de proteção, como o distanciamento de “um braço” entre as pessoas em locais fechados e dois metros nas ruas.
As autoridades ainda vetaram reuniões de mais de 50 pessoas, fecharam instituições de ensino para alunos de mais de 16 anos e pediram que viagens não essenciais fossem adiadas. Empresas incentivam seus empregados a trabalhar de casa, e qualquer pessoa que tiver sintomas parecidos com os da Covid-19 precisa ficar em casa.
A política depende muito da noção de responsabilidade dos cidadãos, que estão ficando em casa por iniciativa própria. As ruas estão mais vazias, assim como os bares, restaurantes e mercados. O uso de máscaras não é obrigatório, mas elas estão cada vez mais visíveis nas cidades. Na prática, o país passa longe da normalidade sugerida na quinta-feira por Bolsonaro.
— Fundamentalmente, as medidas da Suécia diferem apenas de outros países em dois aspectos: não fechamos creches e escolas para crianças mais novas e não implementamos uma regulamentação que obrigue os cidadãos a permanecer em suas casas — afirmou ao GLOBO a embaixadora da Suécia no Brasil, Johanna Brismar Skoog. — A população sueca confia nas autoridades públicas e acredita que elas agem em prol do interesse público. As autoridades também têm um alto nível de confiança nos cidadãos para seguir seus conselhos.
Por trás dessa estratégia está o epidemiologista Anders Tegnell, ligado à Agência de Saúde Pública, o órgão responsável por emitir as recomendações ao público e que possui independência para adotar as medidas que achar adequadas — leia-se, sem interferência política.
Apesar de rejeitar publicamente a noção de “imunidade de rebanho”, que toma como princípio a ideia de que a população, ao ser exposta ao vírus, vai desenvolver imunidade a ele, Tegnell afirma que “já vê muitas pessoas imunes em Estocolmo”, e que isso terá um efeito positivo mais à frente. Não há confirmação científica de que pessoas que já tiveram a Covid-19 estejam imunes a novas infecções — a Organização Mundial da Saúde diz que esse é um “conceito perigoso”.
O epidemiologista afirma que o fechamento completo de uma sociedade “põe mais estresse na economia”, e que o caminho adotado pela Suécia é “mais aceitável pelas pessoas em geral”. E, seguindo o discurso do governo, ressalta que as pessoas estão evitando o contato social por iniciativa própria.
— Há um alto nível de aderência às recomendações da Agência de Saúde Pública da Suécia, às vezes até maior do que nos países com bloqueios totais e obrigatórios. De acordo com uma pesquisa recente, 87% das pessoas com mais de 70 anos seguem as recomendações da Agência de Saúde Pública e se isolam, por exemplo — afirmou a embaixadora Johanna Brismar Skoog.
Questionamentos
Essa alta aderência às recomendações não significa necessariamente que todos os suecos concordam com a forma como o país está enfrentando a pandemia. Uma pesquisa da Universidade Lund, divulgada no fim de abril, mostra que 51% da população acredita que as ações são adequadas, enquanto 31% acham que deveriam ser mais incisivas e 18% se dizem neutros. O maior apoio é das pessoas com mais de 70 anos, justamente a parcela da população que precisou ficar em casa — entre os mais jovens, a ideia de uma quarentena é a mais popular.
— Há uma minoria considerável que gostaria de ver uma abordagem diferente, mais dura. Os críticos também indicaram que a Suécia não está realizando testes suficientes e não está desenvolvendo aplicativos para rastrear os infectados. Outros ainda criticaram a agência pública de saúde por não explicar por que eles não consideraram ações alternativas contra a pandemia — afirmou ao GLOBO um dos autores da pesquisa, Erik Wengström, professor de Economia na Escola de Economia e Administração da Universidade Lund.
O GLOBO