Uma pessoa vivendo em qualquer momento dos últimos quatro séculos esteve sob uma probabilidade de 38% de vivenciar uma pandemia com a escala da Covid-19 ao longo de sua vida. E, a julgar pela intensidade com que perturbações ecológicas estão se agravando, esse risco pode dobrar ou triplicar dentro de algumas décadas, afirma um novo estudo.
A conclusão é de um grupo de cientistas italianos e americanos que criaram um banco de dados com o histórico de epidemias no mundo desde 1600. Para cada evento que os pesquisadores registraram, foi incluído o período de ocorrência, sua duração e o número de mortes em relação à população mundial da época.
Para cada um dos 1.539 surtos de doenças registrados em todo o período analisado, os cientistas criaram um índice de “intensidade epidêmica”, que resume o impacto mundial de cada evento. Analisando os números, o grupo demonstrou que o risco de uma epidemia aumenta de acordo com uma função matemática bem estabelecida, em que o impacto de um patógeno na população global aumenta de acordo com a raridade do evento.
Epidemias catastróficas como a Covid-19 ou a Gripe Espanhola de 1918, porém, se mostraram menos improváveis do que se poderia supor, afirma o grupo de pesquisa, liderado pelo ecólogo e engenheiro Marco Marani, professor da Universidade de Padova (Itália).
“Esse decaimento lento da probabilidade com a intensidade da epidemia implica que epidemias extremas são relativamente prováveis de ocorrer, uma propriedade não detectada antes em razão dos poucos registros observacionais existentes e de métodos de análise pouco dinâmicos”, escreveu o cientista com seus coautores no estudo. O trabalho foi publicado ontem na revista PNAS, da Academia Nacional de Ciências dos EUA.
Junto ao estudo, os cientistas abriram o acesso aos dados que reuniram. “Apresentamos aqui um conjunto de dados de epidemias de 1600 até hoje, compiladas e examinadas usando novos métodos estatísticos para estimar a probabilidade anual de ocorrência de epidemias extremas”, escreveram os cientistas.
Enquanto em uma ponta da série histórica se situa a Gripe Espanhola, com 32 milhões de mortes estimadas, no meio encontram-se eventos como a epidemia de varíola do Brasil, que durou duas décadas na virada do século XIX para o século XX. Registros históricos muito antigos e sem estimativas de mortos, como os surtos de influenza na Europa do século XVIII, foram contabilizados como tendo causado menos de 10 mil mortes.
Ao alinhar todos os registros de acordo com seu impacto global relativo, os cientistas desenharam então suas estimativas de que novas epidemias surjam. Enquanto o risco de um evento da escala da Gripe Espanhola eclodir ao longo de um ano é tipicamente menor que 0,25%, uma epidemia como a praga franco-italiana de 1628, que matou 1,3 milhão de pessoas, é de 1%. A intensidade relativa da Covid-19 é menor do que se poderia intuir. Segundo os pesquisadores, em termos de mortes globais relativas, o coronavírus é até aqui similar ao surto de tifo no exército napoleônico na campanha da Rússia, que matou 220 mil pessoas em 1813. Hoje, a população mundial é oito vezes maior, o que pesa na conta.
Mas o estudo de Marani está longe de representar boa notícia. Apesar de a medicina moderna ter conseguido atenuar o risco de patógenos que antes eram recorrentes, tal qual a varíola, a conectividade do planeta e as perturbações ecológicas estão ampliando esse risco. Ou seja, se por um lado os velhos vírus e bactérias vêm sendo derrotados pela ciência, por outro a probabilidade do surgimento de novos patógenos aumentou.
O Globo